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Guerra, Distopia e Tecnofilia

Como  a indústria da animação japonesa atravessou o oceano e conquistou o mundo

Legenda: Tetsuo, o protagonista de Akira, a primeira animação japonesa de grande sucesso mundial. (Imagem:  divulgação/Committee Company LTD)

Por Felipe Humberto de Melo Peres e Jackeline Maira Euzébio Freitas 

As primeiras animações começaram a ser produzidas, no Japão, há mais de cem anos, inspiradas pelo mercado de curtas-metragens mudos de Nova York. A partir de 1913, os pioneiros na animação japonesa, como Seitarõ Kitayama, passaram a utilizar de seus estudos em papel e nanquim para produzir curtas animados baseados em fábulas infantis, como Saru Kani Kassen (A Luta Entre o Caranguejo e o Macaco), em 1917, e Momotaro (O Menino-Pêssego) em 1918, o primeiro filme japonês a ser exibido na França.

O mercado japonês de animações continuaria a crescer e mudar de forma durante o período de ditadura militar, que se iniciou na década de 1930 e perdurou até o fim da Segunda Guerra. Como evidencia Cristiane Sato, pesquisadora de mangá e animê, presidente da Associação Brasileira de Desenhistas de Mangá e Ilustrações (ABRADEMI), em sua análise “História da animação no Japão”, publicada no site Cultura Japonesa: “Apesar de sofrer com a limitação na liberdade de expressão, a animação japonesa do período militar ganhou em evolução técnica, graças ao dinheiro injetado nas produções pelo governo”. As produções desse período eram conhecidas por seu caráter ufanista e militarista, como em  Momotarō: Umi no shinpei (Momotarou: O Deus dos Soldados do Mar), produzido pela marinha japonesa e lançado pouco antes do fim da guerra.

 

                                 Legenda: Pôster de divulgação do filme Momotarō: Umi no shinpei, de 1945

Quando a guerra acabou e as forças aliadas começaram sua ocupação, o Japão passou por um período de desmilitarização e censura que não apenas desacelerou o ritmo das produções cinematográficas nipônicas, mas também contribuiu para que grande parte das animações do período ditatorial se perdesse. “O chamado Departamento de Propaganda das Forças de Ocupação analisou quase toda a produção cinematográfica japonesa feita durante o governo militar. As obras consideradas militaristas ou propagandistas, mais da metade das que foram analisadas, foram condenadas à destruição”, explica De Sato.

Logo no começo da ocupação, as forças aliadas tentaram montar um estúdio de animação nas ruínas bombardeadas de Tókio, juntando 100 animadores para formar o Shin Nihon Dōgasha (Nova Companhia de Animação Japonesa). De acordo com Yamaguchi Yasuo, pesquisador de história da animação, em seu texto The Evolution of the Japanese Anime Industry (em inglês), publicado no site Nippon.com: “O foco era tornar mais fácil a divulgação das políticas de ocupação, ao fazer os artistas produzirem animes em louvor da democracia. Entretanto, muitos dos artistas eram incrivelmente independentes e territoriais, e a companhia era dividida por desacordos desde o início. O projeto ficou fora de curso, e eventualmente se desfez”.

Outras tentativas de retomar as produções midiáticas durante a ocupação das forças aliadas foram feitas, mas quase todas sem sucesso. Estúdios abriam e fechavam as portas, sem conseguir se manter. Algumas animações foram lançadas nesse período, mas a situação só voltaria ao normal na década de 1950, com a fundação do estúdio Toei Animation em 1956. “O estúdio Toei Dõga/Animation foi fundado em 1956, com a incorporação de uma empresa chamada Nichido Eiga, que já existia e estava envolvida com animação antes da Segunda Guerra. Nos anos 70 e 80, a Toei Animation tornou-se uma das maiores e mais influentes produtoras no Japão, produzindo milhares de horas de animação para séries de TV e longas para cinema”, conta Cristiane Sato.

Como discorre Yasuo, “Foi durante esses anos, assim que o Japão começou a se recuperar dos desastres da guerra, que Ōkawa Hiroshi, presidente da Tōei film company, assistiu Branca de Neve (1937), da Disney. Ele se encantou com as lindas cores do filme. Em 1956, ele construiu um estúdio moderno, e fundou o Tōei Dōga (atualmente Tōei Animation). Sua ambição: se tornar ‘a Disney do Leste’”.

                            Legenda: Sede da Toei Animation em Tókio (Foto por 正和, nos arquivos da Wikipédia)

Com a dificuldade para arrumar empregos no Japão pós-guerra, logo o estúdio conseguiu atrair uma gama de animadores que se contentavam em trabalhar recebendo baixos salários. Então, sob a tutela de animadores americanos, o Tōei Dōga logo começou a funcionar seguindo os mesmos padrões de produção utilizados pela Disney, e lançou o primeiro filme animado em cores do pós-guerra, Hakujaden (A Lenda da Serpente Branca), em 1958. A partir daí começaram a surgir alguns dos estúdios de animação mundialmente conhecidos até os dias de hoje, como o estúdio Ghibli, vencedor do Oscar de melhor animação em 2003 com o filme Sen to Chihiro no Kamikakushi (A Viagem de Chihiro).

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A Era de Ouro das Animações

 

Legenda: Índices da Bolsa de Valores de Tóquio, também conhecido como Nikkei 255 / Acessado no site macrotrends.net​

Avançando para os anos 1980, o Japão vivenciava pela primeira vez, desde a Segunda Guerra, uma época de grande crescimento econômico. Esse período de prosperidade acarretou em uma melhora de vida significativa para a população nipônica, fazendo com que grande parte das famílias japonesas conseguisse levar um estilo de vida confortável. Como é comum em épocas de prosperidade econômica, o mercado do entretenimento viu uma alta significativa nos anos iniciais da década.

A melhoria no poder de compra da classe média japonesa aumentava a demanda por produtos de mídia, aumentando também o ritmo com que essas animações eram produzidas. O reflexo desse aumento se mostra claro ao analisarmos os números: durante a década de 1970, 49 filmes animados foram produzidos no Japão, contra 220 na década de 1980.

Com uma grande quantidade de dinheiro investida tanto na criação quanto no consumo de produtos midiáticos, o mercado japonês das animações atingiu um ápice que muitos viriam a chamar de “era de ouro das animações japonesas”, em que as animações, anteriormente voltadas, majoritariamente, ao público infantil, adotariam temáticas diversas, voltadas para públicos cada vez mais variados.

Foi nessa época que se popularizou o Seinen, estilo de mangá/anime voltado para adultos, e contendo histórias com temáticas mais obscuras e experimentais, geralmente, com enredos recheados de violência, conteúdos sexuais, e abordando temas como a morte, as guerras, e até mesmo o genocídio.

A frase “There was everything else, and then there was Akira” define bem a relação entre animação lançada em 1988, baseada no mangá homônimo, e o mercado das animações como o conhecemos hoje. Akira foi um divisor de águas que mudou para sempre como o ocidente olha para as animações japonesas. Em uma época em que as produções americanas da Disney dominavam o mercado mundial, Akira ascendeu e se provou um sucesso, acumulando uma bilheteria total de US$439,162 apenas em seu primeiro lançamento, de acordo com dados do site Box Office Mojo.

Legenda: Acima, primeiro e segundo volumes dos mangás de Akira, edição brasileira publicada pela JBC. (Foto e coleção: Paulo Gustavo Naves Penna)

O filme foi produzido por uma junção de 7 conglomerados midiáticos, dentre eles a Bandai, e dispôs com um orçamento de quase 11 bilhões de yen, dez vezes maior que o de Kaze no Tani no Naushika (Nausicaä do Vale do Vento), lançado quatro anos antes e produzido pelo Studio Ghibli.

As técnicas de animação utilizadas em Akira eram muito superiores a quaisquer outras vistas nas produções japonesas até então, utilizando-se de 12 a 24 frames por segundo, o que garantia a fluidez da animação, e contribuia para que o nível de detalhamento presente em cada frame ultrapassasse o de qualquer produção japonesa anterior. Esse nível de detalhamento, apesar de importante para a construção de toda a narrativa, era especialmente importante nas cenas de destruição, que carregam grande parte da filosofia existencialista do filme.

Nos anos 1980 e 1990, a tecnologia era retratada na cultura pop americanas como uma força emancipatória, capaz de trazer liberdade à raça humana, e evitar catástrofes. Essa visão tecnófila não era adotada pelas histórias japonesas, que frequentemente tratavam dos problemas causado pela tecnologia, principalmente, quando utilizada para interesses humanos, como a guerra.

Essa diferença em perspectiva pode ser ligada à lembrança dos bombardeios de Hiroshima e Nagasaki. Esses acontecimentos foram retratados em inúmeras obras icônicas, como durante a primeira cena de Akira, em que uma explosão nuclear dizima toda a cidade de Tókio. O filme se passa 40 anos após a explosão, em 2019, na cidade de Neo-Tókio, construída sobre as ruínas da antiga capital japonesa.

Hotaru no Haka (Túmulo dos vagalumes), lançado no mesmo ano em que Akira, também utiliza da mesma temática para construir seu enredo: a destruição em massa e suas cicatrizes profundas na vida de um povo. Como mostra a sinopse do filme no My Anime List, um dos maiores sites voltados à cultura das animações japonesas no ocidente: “Túmulo dos Vagalumes narra a história de duas crianças, Seita e Setsuko, que se tornam órfãos após suas vidas serem viradas de cabeça para baixo por conta de um bombardeio em Kobe. O filme retrata alguns dos importantes eventos vividos pelo Japão durante a era da Segunda Guerra Mundial”.

A influência desses dois títulos foi essencial durante a próxima década, em que animações como Cowboy Bebop (1998), Neon Genesis Evangelion (1995), e Ghost in the Shell (1995) continuavam a tratar de temáticas como a destruição em massa, invasões, desastres em larga escala causados pelo uso indiscriminado da tecnologia, e a influência desses acontecimentos tanto na vida de um povo, quanto em escala individual.

                                        

                                          Legenda: Os protagonistas de Cowboy Bebop (foto: reprodução)

Assim como seus predecessores, essas produções fizeram enorme sucesso no ocidente, estando até hoje dentre os animes de maior prestígio internacional. Ghost in the Shell ganhou uma adaptação live-action hollywoodiana em 2017, com Scarlett Johansson (a Viúva Negra dos Vingadores) no papel principal. Além disso, recentemente, a Netflix confirmou o início das gravações da série em live-action de Cowboy Bebop, com John Cho (Star Trek), Mustafa Shakir (Luke Cage), Daniella Pineda (Jurassic World: Reino Ameaçado), e Alex Hassell nos papéis principais.

                                           Legenda: Linha do tempo de lançamento dos animes citados.



Veja abaixo um AMV (Anime Music Video) e curiosidades sobre alguns animes citados nesta reportagem

 

 

 

AKIRA: A trilha sonora de Akira foi formada por uma mescla de vozes humanas, instrumentos étnicos e sintetizadores. A ideia era que, mesmo tendo sido composta em 1988, a trilha tivesse elementos que soassem adequados para a realidade em 2019.

No filme recente “Jogador Número 1” (2018), é feita uma explicita referência a cena de Kaneda deslizando com sua famosa moto vermelha.

A dublagem do filme, e a trilha sonora, foi feita com a técnica “Prescoring”, ou seja, gravada antes das cenas serem animadas. 

COWBOY BEBOP: Vários títulos de episódios de Cowboy Bebop são referências diretas a canções de bandas de rock como Rolling Stones (Honky Tonk Women, Wild Horses e Sympathy For The Devil), Kiss (Hard Luck Woman), Aerosmith (Toys in the Attic), e Queen (Bohemian Rhapsody).

Muitas das homenagens feitas no anime são dadas por nome de máquinas e personagens, como quando três musicos são introduzidos e seus nomes são Antônio, Carlos e Jobim uma clara homenagem a Antônio Carlos Jobim.

Cowboy Bebop teve dois jogos produzidos, um para Playstation e outro para Playstation 2, mas esses jogos nunca saíram do Japão.

EVANGELION: O Segundo Impacto, responsável por aniquilar cerca de 50% de toda a vida na terra, teria como data o dia 13 de Setembro de 2000 (no anime), e 15 de Agosto de 2000 (no mangá). 

Os nomes de alguns personagens da série são de navios de guerra japoneses. 

O DVD Evangelion 1.1 foi um reboot do anime que possuía várias cenas extras, no entanto um novo DVD Blue-Ray foi lançado com o título “Evangelion 1.1” e dispunha de ainda mais cenas extras.

GHOST IN THE SHELL: Marca registrada do cineasta Oshi, o filme Ghost in the Shell contém uma série de citações bíblicas, como o monólogo famoso que começa com "Quando eu era uma criança...", tirado de Coríntios.

As irmãs Wachowski usaram Ghost In the Shell como inspiração para o concebimento de Matrix.

Com oobjetivo de popularizar, o anime estreou na mesma data no Japão, Inglaterra e Estados Unidos.

 

TÚMULO DOS VAGALUMES: A animação Túmulo dos Vagalumes foi baseada no livro escrito por Akiyuki Nosaka, e foi o primeiro filme dirigido por Isao Takahata depois de ajudar a fundar o Studio Ghibli.

No ano passado fãs descobriram um avião de guerra sobrevoando o cartaz oficial da animação, em que os protagonistas se divertem com vaga-lumes.

Sua estreia no Japão foi conjunta ao “Meu amigo Totoro” e, apesar do pilar de relação entre irmãos existir em ambos os filmes, as animações se chocaram muito em Fantasia e Realidade

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A Tecnologia e a Humanidade

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