Os impactos do movimento
FASHION REVOLUTION:
Por Eric Borges e Sophia Assunção
A busca por ética, responsabilidade e transparência nos processos de moda ganhou destaque nos últimos anos. O Fashion Revolution acredita no poder de transformação positiva da moda, e tem como principais objetivos conscientizar sobre os impactos socioambientais do setor, celebrar as pessoas por trás das roupas, incentivar a transparência e fomentar a sustentabilidade.
ESTILO E GÊNERO:
Moda e gênero são duas palavras que sempre se encontraram ao longo do tempo. Gilles Lipovestsky afirma em O Império do Efêmero que dois grandes movimentos foram determinantes para o surgimento da moda: o processo de imitação e distinção e a segregação das peças entre masculino e feminino. Essa ideia de segregação foi sendo questionada ao longo do tempo e logo após a Revolução Francesa as mulheres já englobaram as calças, que antes eram consideradas masculinas, em seu vestuário.
O estilo andrógino, conhecido, também, por agênero, começou a ser introduzido por Coco Channel nos anos 1920, quando a estilista causou polêmica ao misturar de forma incomparável os universos masculino e feminino, libertando a mulher dos espartilhos e promovendo o uso das calças, dando mais liberdade ao corpo feminino. Essas mudanças foram extremamente impactantes no mundo da moda.
A moda âgenero visa explorar os conceitos de estilo e identidade, externando o eu interior e se livrando de barreiras e limitações, além de promover a liberdade de expressão. Esse conceito contribui também com o consumo consciente que visa reaproveitar peças de roupas livres de restrições. Além disso, nos últimos tempos é crescente o número de marcas que optam por coleções livres de gêneros, com modelagens que favoreçam ao máximo diversos tipos de corpos, o que tem sido até mais rentável para essas empresas.
A modernidade tem colocado diversos assuntos que antes eram considerados polêmicos em pauta, a moda acompanha essas revoluções, já que muitas vezes é utilizada como instrumento político e atribui diversos significados. A moda auxilia também na construção de identidade e personalidade, o estilo é a representação disso.
No Brasil, marcas de grande alcance como a C&A se mostraram adeptas ao conceito agênero, “Tudo Lindo & Misturado” lançada em 2016, foi a primeira coleção da marca com roupas sem gênero. “A proposta da C&A é combinar. Os iguais, os diferentes, os distantes, as experiências, as atitudes. Nada de palidez, nada de solidão, nada de mau-humor. Queremos incluir você num mundo colorido e ousado através da moda. Uma moda que só fica linda quando misturada ao seu jeito de ser e viver a moda”, propõe a rede em comunicado oficial.
Além da C&A, outras marcas nacionais apostam em coleções livres de restrições, como a marca Lona, que fabrica apenas roupas sem gênero, situada no Rio de Janeiro, a marca segue um estilo atemporal, apresentando peças geométricas e leves, a proposta é atender nichos diversos recorrendo ao mínimo.
A moda agênero vem ganhando cada vez mais destaque, além de libertadora, é uma ótima maneira de contribuir com o consumo consciente, não restringindo as peças que podem ser reaproveitadas além de serem rentáveis produtivamente para as empresas que optam por seguir esse conceito.
SOCIEDADE DE CONSUMO,
SUSTENTABILIDADE E ECONOMIA:
ESTI:
A sociedade de consumo é definida por Lipovetsky (1989) como uma sociedade em que há um excesso de mercadorias e serviços, forte apego a objetos, cultura materialista pautada na obsolescência programada. A moda é uma área interessante de ser analisada pois possui em si as principais características da indústria capitalista, especialmente nos comparativos preço versus qualidade, mão de obra barata e massificação de tendências globais.
Atualmente, a moda já se insere dentro da sociedade de consumo, pela constante inovação e a mudança que visam sempre o estímulo a comprar mais, para nunca estar fora dos padrões. Em realidade a moda e a sociedade de consumo se organizam pelo mesmo conceito: da novidade, da diversidade de opções, da criação de símbolos e do consumo como meio de vida e de organização social.
A moda foi nas últimas décadas, um dos maiores responsáveis pelo consumo acelerado de bens e pelo acúmulo de resíduos poluentes. São 27.000 indústrias na cadeia têxtil brasileira. As manufaturas têxteis movimentaram R$ 164,7 bilhões em 2017, aumento de 10,1% em relação ao ano anterior.Para manter este ritmo, entretanto, depende de grandes quantidades de energia e de matérias-primas baratas e de fácil acesso, causando diversos danos:
Sociais: como exploração de mão de obra, muitas vezes infantil, em países cujas leis trabalhistas são frágeis, que resulta em salários baixos, horas em excesso, instalações fabris inadequadas;
Ambientais: como na contaminação de reservas aquíferas pelo descarte irregular de produtos químicos, causando a morte de milhares de espécimes marítimos, bem como poluindo a fonte d’água de populações inteiras.
No entanto, a economia do século XXI tem passado por um processo de quebra de padrões, assumindo novas preocupações com relação ao consumo em excesso e seus impactos ambientais e sociais. Portanto o aumento de lixo gerado pelo consumismo e a insatisfação constante dos indivíduos emergem como os motivos do consumo consciente.
A partir desse cenário, considera-se que a mudança cultural com relação ao consumo, pode ser vista como um dos estímulos para o crescimento dos brechós e lojas de empréstimo de roupas, uma vez que estas promovem uma significativa diminuição no lixo gerado pela indústria da moda.
O consumo da moda de brechós, pode ser considerado como um movimento de contra-consumo, que ajudaria a suprir o aspecto ambiental - uma vez que estende o ciclo de vida de uma roupa, ao mesmo tempo satisfaz o prazer pelo consumo. Isso porque, práticas como a troca de mercadorias, o aluguel de peças e o consumo de itens de segunda mão têm sido usados de maneira a suprir a necessidade pelo fetichismo da compra, tão enraizado culturalmente na sociedade atual.
A experiência da compra em um brechó pode ser estimulada por três fatores fundamentais: necessidade, curiosidade e ideologia. As classes de poder aquisitivo mais baixo buscam apenas preço, as que podem gastar mais são atraídas pela novidade em adquirir peças que não são encontradas nas lojas convencionais e para muitos, a compra em lojas de segunda mão significa consumir de forma mais conectada com as questões sociais e ambientais. Para esse último grupo, a ida a um brechó significa garimpar peças únicas que tragam consigo um pouco de história de décadas passadas em suas modelagens, acabamentos ou estampas. Além
disso, peças de segunda mão podem ser reformadas e customizadas.
SLOW FASHION:
Pereira (2014) define o slow fashion como um movimento internacional vinculado aos princípios da Filosofia Slow, que teria surgido após a origem do slow food em 1986 na Itália. O movimento slow preconiza que vivamos no ritmo adequado para o bem-estar e desenvolvimento pessoal, econômico, social, comunitário e ambiental. Alguns de seus princípios são: qualidade sobre a quantidade; produção mais limpa; solidariedade e responsabilidade social; modelo de produção justo e o Comércio Justo.
No setor Têxtil e Moda, o slow fashion atinge diversos desdobramentos como: o uso de produção mais limpa, o tratamento de efluentes, o uso de materiais ecofriendly na confecção de peças e um tratamento tributário mais justo para os empresários nacionais.
Em contraposição ao fast fashion (sistema de produção de moda atual que prioriza a fabricação em massa, a globalização, o apelo visual, o novo, a dependência, a ocultação dos impactos ambientais do ciclo de vida do produto, o custo baseado em mão de obra e materiais baratos sem levar em conta aspectos sociais da produção), o slow fashion surgiu como uma alternativa socioambiental mais sustentável no mundo da moda.
Na sua jornada em busca por autenticidade, o consumidor pode escolher diversos caminhos: apoiar-se em certificações e etiquetas de organizações que fiscalizam a produção de acordo com determinados quesitos ou informam como foi realizada e manufatura e por quem; um contato direto com o fabricante atrás de informações mais aprofundadas; através dos meios de comunicação ou mesmo opinião de outros consumidores, amigos e familiares.
Aplicado ao Slow Fashion, a busca por autenticidade no vestir seria quebrar o consumo de fast fashion, em busca de uma moda mais regional ou de menor volume, cuja procedência e a manufatura sejam um processo transparente, economicamente justo e não agressivo à natureza; mesmo uma moda mais experimental e autoral, na forma de customização ou criação própria. Nesse discurso, o consumo vira uma experiência, ao servir além da utilidade prática de aquecer e vestir, mas proporcionando também justificativas morais para a compra, como ajuda à economia local, respeito à tradição e ao meio ambiente.
Na linha do slowfashion, a publicitária Jubialita Zacarias, 45 anos, proprietária do Brechó Borboletinha Tá Na Cozinha aposta na importância dos brechós e da moda consciente. A publicitaria afirma que ingressou na área de brechós quando percebeu uma necessidade no mercado. “Eu vi que meu filho perdia muita roupa e comecei a ver outras mães precisando vender. Enxerguei nisso um comércio interessante de reutilização de peças”, explica.
A experiência com o brechó tem oito meses e Jubialita e estimula ao máximo o consumo consciente de suas consumidoras. “Eu quis trabalhar no segmento de brechó por causa dessa consciência que a gente tem que ter com o planeta, de reutilização, sempre apliquei essa consciência em casa. Agora aplico com as minhas clientes também, reutilizar evita esse consumo exacerbado de moda. Brechó não é moda, é um modo, modo de reutilizar as roupas”, esclarece.
FORMAS DE PRODUÇÃO:
Para conseguir produzir cerca de 150 bilhões de novos itens de moda por ano, existe uma complexa cadeia que parte da extração da matéria prima, seja ela algodão, cuja produção consome altas doses de agrotóxicos, seja o poliéster, um subproduto do petróleo. Segundo o portal BBC News, a indústria da moda contribui com 10% do total de emissões de gases do efeito estufa e com 20% da poluição nos oceanos e mares, principalmente de resíduos tóxicos usados no tingimento, recebendo por isso o pouco honroso título de segunda indústria mais poluente do mundo, perdendo apenas para a de petróleo.
A produção também não é algo feita de forma muito positiva, marcada por casos de exploração da mão de obra, inclusive infantil, e de más condições de trabalho. Lembram do Rana Plaza? O prédio, que ficava em Bangladesh, abrigava oficinas que produziam para marcas internacionalmente conhecidas, como a Benetton, H&M e Primark, desabou em abril de 2013, matando 1.134 pessoas. Mais de seis anos depois, mesmo com o pagamento de indenizações por parte das marcas para as famílias e sobreviventes e da assinatura de acordos por mais segurança nas fábricas , pouca coisa mudou: o risco de outra tragédia é grande.
Obras como o documentário The True Cost, disponível no Netflix, ajudaram a lançar ideias sobre essas questões; o movimento Fashion Revolution, pressiona marcas por mais transparência no mercado da moda; a Clean Clothes Campaign promove a melhoria das condições de trabalho dos trabalhadores da indústria. No Brasil, a organização não-governamental Repórter Brasil desenvolveu um aplicativo gratuito em que avalia marcas se acordo com o uso de mão-de-obra análoga à escravidão, além de publicar matérias sobre o assunto. Mais responsabilidade, ética e justiça na moda é assunto de todos.
Para os consumidores e as indústrias se atentarem para consumir e produzir com maior responsabilidade e, dessa forma, construir uma moda sustentável, ética, justa, limpa e transparente, podemos destacar alguns pontos principais, como:
Ecologicamente correto: Extrair matéria-prima, produzir, vender e descartar levando em conta que vivemos em um planeta cujos recursos naturais são finitos, e que desenvolvimento sustentável implica em usufruir de tais recursos sem comprometer as gerações futuras. Cabem aqui as discussões sobre formas de produção menos poluentes, menos consumo de água e responsabilização das marcas quanto aos resíduos de sua produção.
Socialmente justo: Não basta ser de algodão orgânico se é feito com mão-de-obra trabalhando em condições análogas à escravidão ou se os trabalhadores são impedidos de se sindicalizar, perseguidos e presos em retaliação aos seus protestos – como acontece hoje na mesma Bangladesh em que o Rana Plaza desabou. A moda é hoje a indústria mais dependente de mão-de-obra e os direitos mínimos dos trabalhadores precisam ser respeitados.
Economicamente viável: não se está falando de fazer caridade. As empresas precisam responsabilizar-se pelos dois aspectos acima e manter-se competitivas, cumprindo com suas responsabilidades perante trabalhadores, governos, acionistas e consumidores. Moda sustentável não precisa ser sustentada por ninguém (o que inclui não chantagear governos afirmando que só adotará medidas responsáveis se tiver isenção de impostos).
CONTEXTO HISTÓRICO:
O Fashion Revolution é um movimento que tem como intuito reformular práticas no âmbito da moda, buscando mais responsabilidade e ética. Com isso, diversas propostas de impactos positivos tanto no quesito social como ambiental vem sendo implantadas, como por exemplo a exigência de transparência por parte da indústria e a promoção de práticas sustentáveis.
O movimento foi criado após o desabamento do edifício Rana Plaza em Bangladesh no dia 24 de abril de 2013, citado anteriormente, que resultou na morte de 2.500 pessoas e deixou 1.133 feridos. Sendo considerada uma das maiores tragédias da moda na atualidade.
O edifício abrigava diversos trabalhadores em condições análogas à escravidão, nele funcionava a fábrica de roupas ilegal responsável por produzir para marcas ligadas ao Grupo Benetton, como Primark e H&M. Oito pessoas foram presas pelo envolvimento direto na tragédia, incluindo o dono do prédio. A marca Primark se prontificou a prestar apoio às famílias das vítimas além da compensação financeira, porém essa ajuda não chegou de forma efetiva.
A partir disso, as designers Carry Somers e Orsola de Castro tiveram a ideia de criar o movimento no Reino Unido, que idealizava no dia 24 de abril de 2014 um evento que buscava promover a ética na indústria da moda, com a criação da hashtag #insideout alcançando os trending topics do Twitter.
Com o passar do tempo o movimento se expandiu e passou a ser celebrada a Fashion Revolution Week, uma semana inteira destinada ao evento. Diversas campanhas foram criadas, como a #whomademyclothes em que pessoas postavam fotos com as etiquetas das roupas buscando descobrir quem as fabricou, com o objetivo de enaltecer os produtores e tomar conhecimento sobre as práticas trabalhistas da empresa.
No Brasil, o movimento atua há 5 anos. E durante a Fashion Revolution Week, as marcas abrem suas portas e estreitam as relações com os consumidores e produtores para se unirem em busca de uma moda sustentável e ética. Também são realizadas oficinas e palestras com o objetivo de explicar e conscientizar a população sobre os impactos positivos do consumo consciente.