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O abandono de cães em Uberlândia

Os cães são conhecidos como melhores amigos dos homens. Contudo, o homem, por vezes, não é o melhor amigo dos pets

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Essa sou eu após o almoço. É difícil fazer qualquer coisa depois das 13 horas com a barriga cheia. Faz parte da minha rotina, mas sempre que tiro aquela soneca para recuperar as energias, volto a ativa cheia de gás. A UFU é o meu lar, já tem um tempo. Meu e o de alguns companheiros. Aqui temos água, comida, atenção e até casinha com caminhas maravilhosamente bem aquecidas. Os humanos que fizeram isso para nós, não sei ao certo o porquê, mas talvez seja pelo fato de compreenderem a nossa difícil jornada.

CAPÍTULO 1

Estruturas, desempenho e capacitação

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Nem sempre tivemos esse conforto todo. Eu por exemplo, morava em um lugar menor com o meu antigo dono. Eu tinha uma família, sabe?! Como todo cão deveria ter. Mas isso durou por pouco tempo. Quando era filhote, eu tinha um tratamento diferente, recebia amor e carinho infinitos, porém eu cresci! Acredito que meu antigo dono não contasse com isso, ou talvez sim. Eu fazia meu papel de cachorro, o amava incondicionalmente, não queria nada em troca, a presença dele já bastava para mim.

No começo, quando cheguei aqui, me questionava muito sobre o que eu poderia ter feito de tão errado para ser descartada dessa forma. Hoje, não mais. Estou feliz com os amigos que a vida me trouxe. A última vez que vi meu dono eu estava correndo atrás dele. Corri muito, na tentativa de alcançá-lo e mostrá-lo que havia me esquecido, mas ele continuou e me deixou aqui. Todos aqui estamos na mesma. Pois é! Tem mais iguais a mim, cada um com a sua história. Tivemos uma segunda chance…

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Nós partilhamos uma história de abandono. Moramos no Campus da UFU, aqui em Uberlândia, porém essa realidade não é a realidade da maioria canina. A maior parte da população de cães abandonados vivem nas ruas dos centros urbanos. Onde estão propensos a todos os tipos de riscos de vida possíveis. Há os carros, os ônibus, os humanos que os tocam dalí. Eu não frequento o centro da cidade, lá não é seguro, mas há uma matilha que vive por lá e que passa um perrengue. Naquela região as coisas são bem mais complicadas, estar na condição de um cachorro de rua, de fato, não é uma escolha. E sim consequência do descaso humano!

MAUS TRATOS

É de senso comum que nós, os cães,  somos os melhores amigos do homem. Contudo, o homem, por vezes, não é o nosso melhor amigo. Alguns nos tratam como simples coisas e podemos dizer que os maus-tratos ficam mais evidentes a cada dia. Porém, não podemos generalizar, há bons humanos que cuidam bem de nós. Como é o caso da Lúcia Silva, que  resgatou e cuidou de Ringo após ele sofrer um acidente na Avenida Anselmo Alves dos Santos. A mulher conta que o veterinário disse que Ringo não tinha grandes chances de se recuperar. Contudo, Lúcia apostou nas pequenas chances e pagou o tratamento do cão. Fazem dois anos desse sofrimento, e o pet continua com energia no quintal da casa de sua companheira. 

Apesar da proximidade afetiva entre homem e animal, percebe-se um grande número de casos de maus-tratos contra nós animais, cometidos pelos seres humanos: abandono, negligência, espancamentos, queimaduras, tráfico de animais silvestres, zoofilia, promoção de rinhas, esgotamento de matrizes devido à exaustiva reprodução, caça ilegal e uso de animais para fins recreativos, entre outros.

Estatística do Abandono

No Brasil há cerca de 30 milhões de animais que foram abandonados, como eu. Segundo a OMS, desses 10 milhões são gatos e os outros 20 milhões são cães. Em cidades de grande porte, para cada cinco habitantes há um cachorro. Destes, 10% estão abandonados. No interior, em cidades menores, a situação não tem grande diferença. Em muitos casos o número chega a 1/4 da população humana. Em Uberlândia esse número se aproxima de 50 mil cães e gatos abandonados, segundo a Associação Protetora dos Animais.

Um humano da Espanha fez uma pesquisa, durante 2010, que mostra que foram recolhidos aproximadamente 109 mil cachorros e 36 mil gatos em situação de abandono. Não sei se para um proprietário pode ser difícil abandonar um pet, mas para nós animais, o abandono é o começo de um caminho desafiador e tortuoso, que tem um final feliz na forma de adoção só para 45% dos cachorros e 38% dos gatos. O restante de nós continuará vivendo nas associações protetoras, onde o ambiente desconhecido, a mudança súbita da rotina e o isolamento do grupo social do animal podem significar um grande estresse. 

De acordo com esse mesmo estudo realizado em 2010, os principais motivos de abandono de cachorros e gatos foram: ninhadas inesperadas (14%), mudança de casa (13,7%), fatores econômicos (13,2%), perda de interesse pelo animal (11,2%) e comportamento problemático do animal de estimação (11%). Entre os motivos menos frequentes temos: fim da temporada de caça (10,2%), alergia de algum membro da família (7,7%), nascimento de um filho (6,4%), internamento ou morte do proprietário (3,5%), férias (2,6%) ou o medo de pegar toxoplasmose durante a gravidez (2,4%).

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A presença dos cães na UFU passaram a ser normais. Ao todo, são doze cães reconhecidos no ambiente. Foto: Laura Justino

ADOÇÃO

Quando você escolhe adotar, você escolhe oferecer um lar a um cão como eu, uma nova oportunidade de viver bem e feliz, além de ganhar um companheiro por um bom tempo! Outro grande benefício da adoção é que essa é também uma forma de combater o comércio de nós animais. Quando você paga por um bichinho, você está tratando-o como se fosse um produto e acaba colaborando com o que, popularmente, muitos chamam de “fábrica de filhotes”. Inclusive, existe uma campanha que popularizou a hastag #adotenãocompre, impactando nas redes sociais no incentivo das pessoas em nos adotar. Afinal, comprado, resgatado ou adotado, nós, cães, compomos a mesma espécie animal.

Existem várias opções disponíveis na hora de nos adotar, ou algum gatinho: filhotes, adultos, ‘’de raça’’ ou sem. Como a procura por filhotes em abrigos ainda é muito alta, a vantagem de levar para casa um animal adulto é que ele já está socializado e consegue se adaptar melhor às regras da casa. Eu, por exemplo, já sei que não devo pegar os objetos dos humanos da UFU sem permissão, para brincar. Se a raça não for um fator decisivo, que representa cerca de 30% da população dos canis, nós SRD (sem raça definida) ou vira-latas, por sermos frutos de misturas genéticas, tendemos a ser mais fortes, e, assim, temos menos predisposição para doenças.

Alguns pré-requisitos para prosseguir com o processo de adoção. Antes de começar o processo, é importante ser maior de 21 anos ou estar acompanhado de um responsável, e ter em mãos RG, CPF e comprovante de residência atualizados. No início, muito provavelmente, você deve passar por uma entrevista, para que a organização analise se você está preparado para acolher um de nós e evitar futuros abandonos. Se o resultado da entrevista for positivo – uhul! Algumas ONGs costumam, até mesmo, manter um acompanhamento da fase de adaptação para garantir que está tudo fluindo bem conosco.

HISTÓRIAS

Anakin

Sou Anakin, e vou contar sobre meu milagre: fui atropelado na UFU por uma funcionária. Ela me deixou para morrer em frente ao hospital veterinário com cinomose e a perna quebrada. Por sorte, apareceu um anjo em minha vida chamada Lara Rastello, que pagou minhas consultas e meus remédios. Com tanto cuidado, melhorei, mesmo os veterinário diagnosticando que eu só melhoraria por conta de um milagre. E o impossível aconteceu graças à Lara. Ao chegar em casa, me deparei com meus novos irmãos de outra espécies. Embora gatos serem conhecidos como inimigos dos cães, deu tudo certo e não brigamos nunca.                  

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Os pets Carneirinho, Anakin e Theobaldo. (Foto: Lara Rastello) 

Lili

Sou Lili. Está é minha história: um amigo da família que veio a me adotar havia me entregado a ela em um saco plástico cheia de carrapato. O veterinário disse que não tinha mais solução para mim, mas minha mãe da minha melhor amiga, Débora Alves, não desistiu e cuidou de mim, tive 3 paradas cardíacas, fizeram massagem torácica em mim. Depois de 4 meses de cuidados intensos, recuperei-me e não saio mais do pé de minhas donas.

E não para por aí, uma vez fiquei perdida 3 dias em uma fazenda que me levaram para brincar. Todo mundo preocupava comigo, mas não achei o caminho de volta! Todos achavam que eu tinha sido comida por uma sucuri (dá para acreditar!?). Contudo, minhas fiéis companheiras ficaram de vigia e na terceira noite consegui avistá-las.

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Negão

Sou Negão, minha vida foi salva pela estudante Déborah Dias e sua mãe. Ele passou correndo em frente ao carro no qual elas estavam, mas não deu tempo de Débora frear. A dona do pet disse que não podia mais ficar com ele porque sua casa era muito pequena e suas condição financeira estava difícil. Portanto, as duas heroínas da história do Negão arcaram com todas as despesas e acabaram o levando para sua casa.

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Déborah Dias e Negão trocam carinho diariamente. Foto: Déborah Dias

Amigo

Sou Amigo. Deixaram-me em frente à casa da família Soares, que me acolheu muito bem. Fizeram roupinha para mim durante o frio, alimentam-me e dão muito carinho! 

Antes de adotar o Amigo, a família pretendia doá-lo. Porém, ninguém apareceu para levá-lo para casa e a família decidiu adotar o cão definitivamente. Vídeo: Laura Justino

                         Poesia Homens e Animais – Bráulio Bessa

O cachorro diz:

Eu nunca vou entender porque o Homem é assim, se odeiam, fazem guerras e tudo o que é ruim e a vacina da raiva invés deles, dão em mim.

O homem precisa se enxergar nos animais pra melhorar, um cachorro não se importa com o valor do seu salário, não liga pra sua roupa, não tira extrato bancário, não sabe o que é dinheiro, viagens pro estrangeiro, nem quer morar em “mansão”, ele só quer o seu carinho, e quem sabe um cantinho lá dentro do coração.

O amor tem quatro letras, e por certo quatro patas, não diferencia ouro ou um pedaço de lata, não fala, não sabe ler, mas, diz tudo pra você com o poder de um olhar, tão puro e tão leal e tem o dom especial de sempre nos perdoar.

Eu nunca vou entender a tamanha pretensão de um homem que se diz mais sabido que um cão, na nossa sociedade infestada de vaidade e sentimentos banais, pro homem poder crescer teria que renascer igualzinho os animais!

                                                                  Rotina

 

Todos os dias é comum o encontro de cães e alunos da UFU. A Mel fez do bloco 5S seu lar e desperta risos das pessoas por onde passa. Em 13 de maio, Paula Souza teve sua caneta roubada pela cadela. 

Isso mesmo, a estudante de agronomia estava sentada no pátio do segundo andar concentrada em escrever, Mel passa, morde a caneta e começa a correr. Paula, surpresa, vai atrás do animal. Quando a alcançou, a graduanda fez carinho nela e conseguiu seu material de volta. 

A cadela é considerada amigável. Funcionárias de limpeza do bloco brincam que ela é companheira, pois vive a seguí-las pelos corredores. 

Esse é apenas um caso. Ao todo, são 12 cachorros reconhecidos como abandonados na UFU. A comunidade acadêmica e a Associação Protetora de Animais (APA) alimentam, levam água, foram responsáveis pela castração dos mesmos e os protegem.

Pedro Henrique, estudante de engenharia civil, tem seus intervalos das aulas acompanhado por um cão que fica mora em seu bloco. Segundo ele, todos os dias ele vai à escada perto de sua sala e animal vem em sua direção. Pedro conta que, mesmo sem saber seu nome, adora acariciá-lo e levar alimentos para ele. Contudo, mesmo sem participar dos grupos identificados por essas ações, os alunos, no dia-a-dia, também alimentam. 

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Alunos espalharam pela UFU objetos como esse, cujo objetivo é oferecer água e comida aos animais. Foto: Laura Justino

O Centro de Zoonoses de Uberlândia realiza programas de controle de raiva e castração grátis para as famílias que não tem condições financeiras para sustentar a cirurgia. Para isso, basta se cadastrar em sua sede, situada na Avenida Alexandrino Alves Vieira, 1423 , no Bairro Santa Rosa, de segunda à sexta das 7h30 às 17h30. É obrigatório a apresentação da Cópia: do RG E CPF, do comprovante de endereço atualizado, do comprovante de renda de toda família até três salários mínimos da certidão de nascimento ou casamento e o comprovante de vacina antirrábica do animal. 

Além disso, o curso de medicina veterinária da UFU realiza castrações grátis para a comunidade. Vale ressaltar que animais abandonados não ficam de fora. De acordo com os estudantes, é importante castrar os cachorros nessa situação porque ao não procriar, diminui o número de cães jogados nas ruas.

          MEU DONO VAI SE MUDAR! O QUE ELE DEVE FAZER COMIGO?

A princípio, isso não é desculpa para me abandonar, afinal, sou um membro da família e mereço respeito. Ao decidirem morar em outro lugar, os donos devem pensar em como será a vida para seu pet. Se o novo local for menor, ele pode ter dificuldade para se adaptar. Para melhorar isso, basta aumentar a quantidade de tempo de passeio e comprar brinquedos para distraí-lo.

Para maior tranquilidade do animal, a comportamentalista canina Carolina Carvalho aconselha  o dono a não deixar o cão sozinho na nova casa ou apartamento por muito tempo, principalmente nos primeiros dias é importante ficar por perto todos os instantes. Além disso, não se deve mudar a ração e os brinquedos para evitar o estresse do bichinho. Também, é importante visitar o veterinário para que seja feito um controle de seu comportamento antes que desenvolva alguma doença psicológica.

Contudo, nem em todos os casos os donos podem levar seus pets consigo. Pode doer a escolha de me doar, mas cabem a eles acharem uma família para eles. Algumas ações para acelerar o processo de adoção podem ser: espalhar cartazes pela cidade e publicar nas redes sociais que estamos disponível para adoção. Se possível, castrem-os e os vacinem para que suas chances aumentem de conseguirem um novo lar. 

                             Legislação e políticas públicas 

De acordo com a lei Lei 9.605/98, não só abandonar animais é crime federal. Leva-se em consideração, também, o maltrato; abuso; obrigá-los a realizar tarefas que sobrecarregam nosso corpo, mas gera lucro econômico para o dono; não dar morte instantânea em casos de doenças ou acidentes graves; não alimentar; transportar-nos sem segurança e qualquer outro tipo de descuido.

 

As medidas oferecidas são apoio em ações educativas para os municípios e propagação das leis que nos protegem. 


Ainda em 2018, o Projeto de Lei do Senado n° 470 altera a lei 9.605/98 (de 12 de fevereiro de 1998), aumentando a pena do agressor em até quatro anos, além de uma multa de até mil reais, de modo a depender da gravidade do crime.

Entretanto, o abandono continua indicando um contraste entre alguns proprietários e alguns pets, para um desconhecimento sobre as consequências práticas de viver com um animal e, em alguns casos, para expectativas equivocadas sobre o comportamento natural de um cachorro ou gato.

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